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Crônica de um menino só (Crónica de un niño solo, 1965)

  • Foto do escritor: Pedro Alves
    Pedro Alves
  • 6 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 16 de mar.


Crónica de un niño solo acompanha a jornada do garoto Polin (Diego Puente) encarcerado (e não é hipérbole aqui) em um reformatório argentino. Em um primeiro momento, a minha vontade, confesso, é realizar um paralelo com Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980). Ambos tratam de temas bastante próximos e possuem uma estrutura narrativa deveras semelhante. Muito difícil, inclusive, que Héctor Babenco, diretor de Pixote, não tenha desfrutado de algum contato com essa obra sendo ele próprio argentino (naturalizado brasileiro posteriormente) e sendo tal filme considerado por muitos até hoje como sendo o melhor filme jamais feito na história da Argentina. Os dois filmes possuem numerosas semelhanças estéticas e as divergências presentes no roteiro de Babenco e Jorge Durán em relação ao material-base (o livro Infância dos Mortos (1977) de José Louzeiro) apenas os aproximam ainda mais. Contudo, esse seria o melhor caminho para se analisar a história de Polin? Suspeito que não.

Desde seus primeiros planos, a direção de Leonardo Favio já nos apresenta a realidade daquela sociedade do reformatório: os agentes/funcionários praticando diferentes tipos de violência contra os menores; e os garotos buscando qualquer pequena ação para experienciar a liberdade. Os agentes sempre surgem subindo escadas, no topo das construção, em posições de superioridade e dominância. Já aos garotos isso sempre é negado . A câmera só se fixa no mesmo nível que os pequenos personagens quando existe uma conversa entre dois semelhantes; a única possibilidade de diálogo igualitário possível dentro da instituição em que se encontram.

Ainda nessa primeira parte da história, temos o vislumbre de uma característica importantíssima para o desfecho da trama: a passividade do Polin. Seja por medo ou conformismo, Polin evita qualquer tipo de confronto. Acompanhamos a forma com que ele evita ir a vias de fato, até o último momento possível, com uma inimizade do reformatório. Só partindo para a reação-agressão a ser pressionado e não haver mais nenhuma escolha. Em seguida, ao ter um de seus planos de fuga frustrado por um dos funcionários do reformatório, o garoto prefere correr durante horas com os braços levantados e uma placa escrito “CUIDADO PIANTADINO” em seu peito do que confrontar o inspetor que lhe aplicara o castigo. Piantadino, vale salientar aqui, sendo o nome de um famoso personagem de tirinhas: um presidiário sempre ávido por escapar e muito habilidoso em fazê-lo. Até que, de frente a uma injustiça despropositada, Polin se cansa, grita “Eu não fiz nada!” e revida o ataque do inspetor. Nesse momento ele, ao mesmo tempo, supera momentaneamente sua aparente passividade e encaminha o filme para sua segunda metade.

O protagonista sempre se mostra ávido por liberdade. Seu aprisionamento é salientado a todo instante pelas barras: sejam das janelas, portas e, inclusive, de sua própria cama. É olhando para a janela da enfermaria que ele fantasia silenciosamente o que poderia existir para além do reformatório. Também é de outra janela que ele consegue alcançar a sua tão sonhada liberdade. É durante essa sequência que acompanhamos pela primeira vez uma criança em posição de superioridade tal qual os funcionários do local: assistimos a escalada de liberdade de Polin através de um contra-plongée.

Do lado de fora, contudo, a liberdade também lhe é negada. Ao voltar para casa de sua mãe, o garoto tem constante medo de ser pego novamente pelos policiais e está em contínuo estado de vigília. Ele, ao menos, possui a amizade de um menino da vizinhança que o convida para ir ao lago; alertando, contudo, da provável presença inconveniente de outros garotos que já haviam o atormentado anteriormente. Polin responde que nada irá acontecer com eles. Afinal, ele estava ali e poderia bater em quantos outros garotos fossem necessário. Mesma coisa que falara anteriormente quando se encontrara no reformatório. No lago, o pior acontece e o amigo clama pela ajuda de Polin que se omite.

Até esse momento, eu estava confundindo a passividade de Polin como uma forma do garoto não engajar na violência que o cerca. Não uma passividade em si, mas uma forma consciente de não compactuar com os erros ao seu redor.

Após esse evento do lago, Polin encontra com um conhecido mais velho, Fabián (interpretado pelo próprio diretor, Leonardo Favio). O homem promete vender o seu cavalo para o menino e percebemos que existe uma fixação quase instantânea do Polin em relação ao animal. Um cavalo branco que poderia simbolizar a possível liberdade que o protagonista tanto buscava? Talvez. Durante o anoitecer, o menino se depara com o animal mais uma vez e não consegue ignorá-lo. Liberta o cavalo de sua sela e caminha com ele pelas ruas em busca da grama mais fresca. Nesse momento, ele baixa sua guarda e consegue vivenciar por instantes o sentimento que buscava: um misto de liberdade e felicidade. Contudo, essa sensação não dura mais do que isso, pois o menino é logo interceptado por um policial que resolve levá-lo para a delegacia. Sob protestos de “Não fiz nada!”, Polin é encaminhado através da rua pelo guarda. Durante essa caminhada, o protagonista olha diretamente para a câmera; diretamente para o espectador. Foi durante esses minutos finais que a mensagem do filme me acertou. A passividade de Polin ERA omissão. Pior: nós somos, os expectadores, éramos o Polin. Fácil julgar o menino que se omitiu durante os momentos que outros precisavam dele; difícil se posicionar frente a injustiças da nossa vida cotidiana. Nós acompanhamos passivamente o policial levar Polin, enquanto o filme termina.

Crónica de un niño solo consegue alguns feitos marcantes. O diretor trata sobre miséria, violência e autoritarismo deixando bem claro sua posição sobre cada um dos tópicos. A forma com que não fetichiza nenhum dos temas abordados pode (e tem) relação com sua própria trajetória  —  ele mesmo tenho vivido em orfanatos e, em seguida, sendo enviado para reformatórios. Talvez, o intuito mais difícil que consegue alcançar com primor é a forma com que clama os espectadores por uma postura mais ativa em relação a temas do fazer social. De impedir de alguma maneira aqueles instantes finais de acontecerem na vida real.


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