Fauve (Fauve, 2018)
- Pedro Alves
- 23 de abr. de 2019
- 3 min de leitura

Entra ano, sai ano e a coisa que mais me incomoda como realizador é todo o hábito construído ao redor dos curtas-metragens. Principalmente no Brasil, a exibição desse tipo de filme é relegada exclusivamente a sessões obscuras de festivais de cinema ou, de forma mais rara, quando um deles viraliza pela internet. O nosso país já teve diversos incentivos públicos pra essa questão: exigindo, por exemplo a exibição de curtas-metragens nacionais antes da projeção dos filmes em cartaz — coisa que parece absurda ao compararmos com a política cultural adotada nesse (des)governo atual. O Festival do Rio, onde trabalhei por alguns anos, também realizava sessões nas quais abria com um curta. Somado a isso, de forma mais preocupante, os críticos insistem em não comentar sobre nenhuma dessas obras. Filmes que, muito provavelmente, superaram muito mais obstáculos para serem concluídos do que muitos longas-metragens por aí. Por conta disso, começando por ‘Fauve’, escreverei minhas opiniões sobre os cinco indicados a Melhor Curta-Metragem no Oscar 2019. Já escrevi sobre alguns outros curtas anteriormente, como ‘Dando Asas para a Imaginação’ e ‘A Casa de Ana’, e, com essa nova série de postagens, quero naturalizar essa crítica escrita de curtas-metragens para retirá-los do banco de reservas do cinema.
Fui pego totalmente desprevenido por ‘Fauve’. Não sabia de nada sobre a narrativa ou sobre a equipe, e foi o primeiro dentre os indicados a Melhor Curta-Metragem ao qual eu assisti. Logo em seu primeiro plano, duas coisas já ficam visíveis: a direção impressionante de seu elenco e a segurança de Jérémy Comte a cada novo plano. Acompanhamos dois meninos conforme brincam entre si de um jogo sobre poder e impotência. Conforme a pontuação é marcada por cada um deles, a brincadeira vai gradualmente ficando incômoda, depois estarrecedora, até atingir o seu angustiante clímax diante dos nossos impotentes olhos. O cenário dos passatempos dos personagens vai evoluindo de forma análoga. Começamos dentro de um trem que não está ativado, depois vamos para uma floresta descampada até invadirmos um terreno rochoso e sem supervisão junto aos garotos. Por conta dessa mudança, essa fricção entre poder vs. impotência, coragem vs. fraqueza é deslocada do microcosmo das brincadeiras dos garotos para um dos conflitos mais antigos da ficção: homem vs. natureza.

Comte consegue fazer com que sua direção complemente a narrativa a cada novo plano. O uso acertadíssimo de câmera na mão na metade inicial do filme, somado aos planos estáticos de movimentos calculados na segunda parte, conseguem oferecer ao espectador dois tipos diferentes de tensão. No começo de ‘Fauve’ ficamos nervosos pela possibilidade de algum dos personagens se ferirem de alguma forma por conta de suas demonstrações de poder, já em sua parte final a tensão é deslocada para a impotência deles diante da tragédia que se desenrola — de forma muito semelhante a nossa natureza como observador. Os momentos finais do filme, onde um dos meninos avista um animal pela janela do carro, consegue oferecer um surpreendente vislumbre da psique do personagem. O plano e contra-plano que finaliza ‘Fauve’ é de uma sensibilidade ímpar tanto imageticamente, quanto narrativamente. Em apenas alguns segundos, Comte consegue encerrar a narrativa de uma maneira que surpreende por ser tão satisfatória. No fim, a vencedora da brincadeira dos meninos, a fera da qual o título se refere, é a natureza que os cerca — provando que, diante dela, eles dois não possuem poder algum.
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