top of page
  • Twitter
  • Facebook
  • Instagram

Gribiche (Gribiche, 1926)

  • Foto do escritor: Pedro Alves
    Pedro Alves
  • 2 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 2 de jun. de 2022



Abrindo esse texto, coloco uma curiosidade da cópia que eu assisti para deixar os meus amigos preservadores e/ou cinéfilos malucos felizes:

Em 1958, a Cinemateca Francesa adquiriu os direitos e os objetos remanescentes das produções da Films Albatros , incluindo Gribiche. Em 1987, o filme foi reconstruído usando o negativo de nitrato original, então uma impressão master foi feita e as cartelas originais reintroduzidas. No entanto, esse negativo era a versão secundária (ou de exportação) do filme. Felizmente, a versão de cinema sobreviveu em dois antigos e tingidos rolos de nitrato que foram a base da presente edição, restaurada em 2009.

Que sorte a nossa por essa soma de coincidências ter acontecido (e continuar acontecendo) em favor da preservação de algumas obras cinematográficas, né? Só comprova que não podemos contar com elas, caso queiramos preservar a memória cultural para posteridade. Um abraço a todos que trabalham firmemente para o resgate e preservação da nossa história audiovisual. Como sou bairrista, um abraço especial para o Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Só queria salientar que em uma de suas últimas ações, o laboratório liberou uma listagem de todos os filmes finalizados e apresentados publicamente no âmbito do curso de cinema da UFF entre 1972 e 2016. Meu cy! Quis abrir esse texto dessa forma, porque muito me preocupou as recentes notícias envolvendo a Cinemateca Brasileira em São Paulo, lugar que (junto a Cinemateca do MAM no Rio de Janeiro) detém o maior acervo de obras raras e de valor inestimável a nossa história. Indico bastante a recente entrevista concedida por Carlos Augusto Calil, ex-diretor da Cinemateca, para o Conversa com Bial. Dito isso, sigamos.


 

Posso afirmar com tranquilidade: nunca havia ouvido falar sobre Gribiche (ou em seu título alternativo: Mother of Mine) ou sobre Jacques Feyder, seu diretor. A forma que me deparei com o título explica muita coisa, incluindo a minha acumulação compulsiva de terabytes e terabytes de filmes: um usuário do Reddit postou uma still do longa-metragem como um meme em uma discussão; perguntei se pertencia a algum filme e qual seria o nome da obra; ele me respondeu que havia achado a imagem no google; busquei; achei o nome e fiquei com o filme parado há anos no meu computador esperando para ser assistido. Até agora.



Gribiche trata do garoto Antoine Belot (Jean Forest em uma atuação INCRÍVEL) que, após devolver a carteira perdida de uma rica senhora, ocasiona uma série de eventos que acarretarão em sua separação de Anna Belot (Cécile Guyon), sua mãe biológica, e em sua passagem através de uma árdua jornada de amadurecimento. Em linhas gerais, é isso. O filme não tem grandes acontecimentos e reviravoltas. Seu ritmo e algumas escolhas técnicas me lembraram bastante o filão de filmes indie contemporâneos (neste meu texto, encarado como uma “estética”). A estética, inclusive, foi o elemento que mais chamou a minha atenção em um primeiro momento durante a projeção. O uso contínuo de flashbacks e, ainda mais interessante, a forma como a memória de uma das personagens é usada em alguns momentos para zombar de sua posição social elevada são decisões da direção que me surpreenderam positivamente. Vou me ater aqui a sequência inicial, onde o protagonista devolve a carteira para a Madame endinheirada, que é repetida diversas vezes. Na versão “oficial”, a qual acompanhamos de nossa posição privilegiada como espectadores, o menino vai até a mesma loja que a Madame se encontra para buscar um par de luvas encomendadas por sua própria mãe. Nas primeiras rememorações, acompanhamos o ponto de vista tanto do garoto, quanto da Madame. Nada muito diferente do que observamos no inicial, apenas mais direcionado pelo olhar do personagem que está relatando. Contudo, mais para a frente da narrativa, começamos a perceber alterações enviesadas nada sutis feitas pela rica senhora em seu relato. Nessas novas versões, Antoine surge cada vez mais maltrapilho e necessitado, assim como sua mãe. Essas novas memórias, cada vez mais distantes da original, tem o objetivo de impressionar os interlocutores para os quais a Madame está relatando; em uma explícita representação da maneira paternalista com que a classe mais abastada enxerga as menos favorecidas.

Pera aí! Então é um filme sobre conflito de classes?! Também.

Em relação ao mote “perda da guarda do filho”, eu gostaria de saber o que aconteceu durante a década de 1920. O Garoto (1921) de Charlie Chaplin, lançado anos antes, já havia apresentado esse medo pelo ponto de vista de um pai postiço; medo esse capaz de desestabilizar até mesmo Carlitos nas sequências finais — quando nada parecia ser capaz de fazê-lo. Aqui, por mais que a dor seja representada de forma mais introspectiva, Anna Belot ainda sofre e chora (bastante até!) pela separação do filho. O maior diferencial em Gribiche, talvez, habita na maneira como oferece o protagonismo ao garoto e, a partir dele, cria sua narrativa de amadurecimento. Usando como parâmetro as etapas pontuados por mim de uma narrativa de amadurecimento (pode ser lido de maneira mais desenvolvida aqui), o garoto Antoine passa pelas três: separação, transição e reincorporação. A separação é clara e evidente: o protagonista é separado tanto de sua mãe, quanto dos seus iguais (crianças e gentinha, como descrito pela Madame em certo momento do filme). A transição ocorre em todas as tentativas da Madame em transformá-lo e̶m̶ ̶u̶m̶ ̶b̶u̶r̶g̶u̶ê̶s̶ ̶s̶a̶f̶a̶d̶o no projeto que idealiza de um menino “bem educado”. Essas reminiscências tanto de convívio, quanto das aulas, mostram-se presentes com o garoto até depois da reincorporação em sua família. A sequência do guardanapo ao final pode parecer exagerada e, até mesmo, despertar certa vergonha-alheia em alguns espectadores, mas se prova potente como uma forma de agenciamento do protagonista e sua negação de todo o universo burguês que havia presenciado durante a narrativa. Agradeço por sua existência no filme, inclusive. Por mais, é claro, que esperasse um rompimento mais violento do que isso — considerando a visita com flores ao final e o cheque de dinheiro ofertado. Gribiche, ao fim, consegue tratar sobre amadurecimento precoce e da pobreza de forma perceptivelmente higienizada. A obra de Jacques Feyder nesse aspecto, talvez, esteja mais próxima de Oliver! (1968) ou Annie (1982) do que o anteriormente citado O Garoto (1921). A sujeira é higiênica e colocada apenas de forma estética. A pobreza é apenas citada e nunca mostrada — o que pode ser encarado como algo positivo, correndo o risco de ser estetizada caso ocorresse de outra maneira. A fetichização da mísera fica a cargo das memórias falsas da Madame, o que demonstra a maneira acertada como esse elemento é utilizado. Não sei se curti o fim com seu tom apaziguador (destoando de toda a construção feita no decorrer do ato final) ou das críticas da época condenando o filme por seu melodrama. O fato é que os olhos expressivos e tristes de Jean Forest refletindo a luz em suas órbitas marejadas (impressas perfeitamente na película) foram uma das coisas que mais me marcaram e que levarei comigo desse filme.






Komentarze


NÃO PERCA NENHUMA NOVA POSTAGEM

Muito obrigado por se inscrever!

© 2020 de 1000i1 Filmes.

bottom of page