Meninos de Tóquio (Otona no miru ehon — Umarete wa mita keredo, 1932)
- Pedro Alves
- 3 de out. de 2020
- 3 min de leitura

Começarei esse texto sendo sincero: esse filme não era a minha opção para o dia de hoje. O primeiro eleito era Uma Estalagem em Tóquio (1935), também do Ozu. Essa escolha inicial foi decorrente de sua menção durante o documentário A Story of Children and Film (2013) do Mark Cousins. Fiquei muito curioso para o assistir, mas continuamente enrolava essa sessão. Ao buscá-lo nos últimos dias, entretanto, não encontrei nenhum cópia em boa qualidade. Por conta disso, optei por Meninos de Tóquio que se encaixava no período proposto pelo prompt, é do mesmo realizador e também tratava sobre a infância.
Pois bem.

A cartela inicial já informa o tom do filme: um livro ilustrado para adultos. Os irmãos Keiji e Ryoichi mudam-se com seus pais para um subúrbio japonês. Durante o decorrer da narrativa, acompanhamos dois arcos principais: os irmãos aprendendo a se adaptar a sua nova morada e fazendo amizade com outras crianças da região; e o confronto dos filhos com a submissão do pai como um empregado.
No desenvolvimento da amizade entre as crianças do bairro é que moram os momentos mais interessantes a meu ver. É nas interações entre os personagens infantis que podemos acompanhar o entendimento que eles possuem da sociedade que os cerca — mistura de bravura, perspicácia e ingenuidade. Um exemplo disso: as crianças se alimentam de ovos de pardal pensando ser o que torna forte o valentão do colégio e, em certo momento, os objetos se transformam em moedas de trocas para favores. Mais: em uma conversa entre os pequenos ao conversarem sobre os próprios pais, há uma rivalidade e busca por afirmação entre elas que se utilizam de diversos elementos (dos empregos aos carros dirigidos) para demonstrar superioridade. Essa constante procura por subjugar o outro está presente, inclusive, na brincadeira-base entre elas, onde “matam” uns aos outros para, em seguida, os “ressuscitar”. O poder supremo: o controle sobre a vida e a morte alheia.
Já no ato final, quando nos voltamos para a relação entre os irmãos e seu pai, somos acertados com um soco de verdade ainda distante (mas evidente) no território infantil dos protagonistas: o universo do proletário. Nessa perspectiva, somos confrontados com a visão da infância como detentora de um possível futuro melhor do que o conquistado pelas gerações passadas. Isso se soma a vontade do pai por “preparar” os seus próprios filhos para serem futuros assalariados bem-sucedidos. Fica ainda mais interessante ao notarmos que todo esse arco é desencadeado quando os irmãos percebem que o pai deles é detentor de humor, para além da sisudez com que estavam acostumados a conviver e que, por conta disso, haviam relacionado com a seriedade obrigatória deposições importantes na sociedade. O humor como elemento anárquico e, portanto, impossibilitado de estar presente em figuras de autoridade. Curioso.
Para que já está familiarizado com a cinematografia do realizador japonês perceberá ecos de Meninos de Tóquio em algumas de suas obras vindouras, principalmente Ohayô (1959). O protagonismo dado para a dupla de irmãos, assim como a forma com que eles afrontam os próprios pais ao realizarem uma greve de fome, são apenas algumas das similaridades que as obras compartilham. Contudo, a obra analisada nesse texto opta por se manter quase exclusivamente no território infantil e, por conta disso, torna-se mais interessante para mim como pesquisador.

Meninos de Tóquio consegue exemplificar uma possível mudança na forma com que a figura infantil viria a ser tratada nos anos vindouros do cinema. De uma visão idílica detentora de pureza e paz interior muito semelhante a anjos visto em O Pássaro Azul (1918), passando pelos estados de liminaridade e não-pertencimento sentidos pelos personagens infantis ao se depararem com o universo adulto como em Gribiche (1926), até, finalmente, os protagonistas infantis entendidos como sujeitos com existências e sociedades próprias junto aos seus iguais. Todas as visões listadas não deixaram de existir mesmo nas narrativas contemporâneas, nem, muito menos, tratam-se de uma evolução de pensamento ocorrida de forma progressiva. Contudo, foram realizações distintas como essa de Ozu, destoando da produção hegemônica de sua época, que auxiliaram na apresentação de novas possibilidades de narrativas sobre a infância para as plateias de espectadores.
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