O balão amarelo (The Yellow Balloon, 1953)
- Pedro Alves
- 6 de out. de 2020
- 3 min de leitura

O balão amarelo possui todos os elementos necessários para me agradar: infância, suspense, morte, terror, balão(?)… Contudo, alguma coisa aconteceu. Ou melhor: não aconteceu. Nunca havia assistido anteriormente o filme e o escolhi para o dia de hoje do Film Tober por pensar, de forma equivocada infelizmente, que ele seguiria uma progressão na maneira da representação infantil. Afinal, não é possível fazer um thriller protagonizado por um menino e seu melhor amigo, um assassino, de forma reacionária e conservadora, né? Não é?
Ledo engano.
O drama britânico segue o garoto Frankie Palmer (Andrew Ray sendo um dos poucos elementos genuinamente positivos daqui) que, após correr atrás de um vizinho em busca do balão do título, acaba por se envolver em um acidente que culmina na morte do amigo. A ação é observada de longe pelo diabólico Len (William Sylvester) que inicia uma estranha espécie de chantagem; transformando gradualmente o garoto em aprendiz e cúmplice nos seus esquemas criminosos.

Vamos primeiramente analisar a cor do balão. Por que razão, dentre tantas cores possíveis, o filme escolhe justo a amarela para colorir o balão? Vamos ser sinceros: é um filme preto e branco, caso ele se chamasse O balão azul-turquesa, eu iria acreditar — e suspeito que você também. Por isso o questionamento permanece: por que amarelo, então? A resposta, talvez, possa ser encontrada na introdução escrita pelo escritor Carlos Orsi para O Rei de Amarelo de Robert W. Chambers:
Na última década do século XIX, o amarelo, cor do trajes do Rei que dá título a esta coletânea, era o matiz do pecado, da podridão, da decadência, da loucura — e, ao menos no mundo da língua inglesa, da literatura de vanguarda, a ponto de a principal revista literária de Londres, nos anos 1890, chamar-se O Livro Amarelo. Não era por acaso que o pecado, a doença e a arte moderna tinha a mesma cor: importados para a Inglaterra, os livros dos autores decadentes franceses vinham encadernados em amarelo.
O amarelo, então, surge no filme como um simbolismo de pecado; algo que irá macular o angelical personagem que, por ser uma criança, é incorruptível. O pecado marca o jovem Frankie e o filme faz questão de realizar um paralelo através de um monólogo entre a morte/acidente contida aqui através do assassino de Abel por Caim — o primeiro homicídio da humanidade, de acordo com a Bíblia.
As figuras adultas do filme se resumem a psicopatas desvirtuados OU cidadãos de bem (pode chorar, leitor!) — mas esse último título só e somente é permitido, caso os personagens possuam alguma relação maternal/paternal. Os pais do protagonista prezam tanto por sua pureza a ponto de acreditarem que alguém entrou pela janela do apartamento durante a madrugada e roubou o dinheiro de dentro da chaleira-cofrinho, ao invés de acusá-lo. Afinal de contas, ele é, não somente uma criança (fato que já o daria um selo de inocente), mas o seu próprio filho perfeito e sem defeitos. Verdade seja dita: gostei da representação positiva da paternidade feita aqui. Mais na frente da história, encontramos uma senhora que simpatiza com o garoto e o ajuda a superar a própria culpa. Contudo, deixa claro que tem um filho muito parecido com ele morando com seu marido divorciado. Só a esses personagens são permitidos a bondade, aos outros resta o mal e o pecado.
O vilão Len por mais que possua um tratamento caricato por parte da direção, roteiro e atuação — principalmente em seu desfecho — guarda o que de pior esteve presente na década de 1950: a paranoia da sociedade sobre a infância. Escolhi um filme fora dos territórios dos EUA por pensar que fugiria do retorno a essa visão idealizada, mas aparentemente foi um fenômeno global. No ano seguinte ao lançamento desse filme, o livro Seduction of the Innocent (1954) de Fredric Wertham é lançado traçando um paralelo entre violência juvenil e quadrinhos de terror — através, é claro, de um alto teor de psicodelia argumentativa. A caçada contra inimigos invisíveis que iriam corromper de forma irreversível as crianças, os anjos da terra, é iniciada.
Balão amarelo tenta provar alguns pontos. O primeiro é: os pais sempre tem razão. Ao acompanharmos, ao início da projeção, a rejeição do protagonista em ir observar o trem/metrô acompanhado de seus bondoso pai e, no clímax da narrativa, a forma com que Frankie é arrastado pelo vilão por entre as galerias do metrô e quase assassinado a mensagem é clara: obedeça o seu pai! A segunda é mais intrincada: não corrompa nossas crianças. Somente instituições como a família, a polícia e a Igreja podem impedir que isso aconteça. Triste. A visão construída e desenvolvida dos personagens infantis durante as décadas passadas sofre um terrível retrocesso.
PS: Não irei tecer nenhum paralelo com O Balão Vermelho (1956) do Albert Lamorisse, porque eu mesmo iria considerar ofensivo.

Comments