Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos (Spy Kids 2: Island Of Lost Dreams, 2002)
- Pedro Alves
- 7 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2022

Por que me odeiam tanto? Eu os criei. Vocês acham que Deus fica no céu, porque também vive com medo do que criou aqui na terra?
Dando continuidade as análises individuais de cada um dos filmes infantis do diretor texano Robert Rodriguez: Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos.
Lançada em 2002, ano seguinte da estreia do original, a sequência de Pequenos Espiões teve quase o mesmo orçamento de seu predecessor e conseguiu um lucro ainda maior — proeza que rapidamente colocou o diretor no radar dos grandes estúdios. Contudo, antes de começarmos a nos emprenhar na continuação das aventuras dos irmãos Cortez (Cortezes!), quero começar o texto exibindo um videoclipe que consegue ilustrar, como poucas produções, o mood do começo dos anos 2000. O estúdio exigiu para Rodriguez que o diretor realizasse o clipe de alguma estrela pop da época para a promoção do longa-metragem — tal qual estava sendo realizado nos sucessos de bilheteria dos anos anteriores através de um casamento bizarro entre a indústria cinematográfica e fonográfica.
Bem. Creditado em dez (!) funções na equipe técnica (entre elas: diretor, fotógrafo, editor e compositor de trilha sonora), penso que não demorou muito para o diretor assumir a produção do videoclipe. Ele compôs a letra, a melodia e lançou Alexa Vega (a Carmem!) como cantora pop. O clipe realizado ainda guarda todo o charme, nonsense e cafonice da primeira década desse milênio bizarro — por conta disso tudo merecendo ser visto, sem sombra de dúvidas.
Logo em seu prólogo inicial, o filme já nos introduz as principais mudanças: a OSS criou um departamento de espiões mirins e os irmãos são considerados os melhores entre eles. Através do resgate da filha do presidente nos brinquedos irreais do parque (inexistente) da ‘Troublemaker Studios’ somos apresentados à outra dupla de irmãos contratado pela agência de espionagem: Gary e Gerti Giggles, filhos de Donnagon Giggles — refém do Floop na última aventura. Uma curiosidade sobre a produção foi que a ideia para a ambientação desse começo era o complexo de parques da Disney, mas que foi rapidamente vetada pelos executivos do Mickey Mouse que impedem até a realização de filmes do próprio estúdio nas dependências — não conseguindo impedir todas as produções como podemos ver em Escape from Tomorrow (2013) ou pelo fim de Projeto Flórida (2017).

A trama se desenvolve a partir do roubo de um dispositivo chamado transmooker (um claro MacGuffin) que acaba encaminhando os protagonistas para uma desconhecida ilha misteriosa.
A primeira coisa a se destacar sobre a narrativa é sua dualidade clara entre tecnologia e o analógico. Sua primeira metade é dividida entre gadgets espiões novos e momentos de ação que envolvem a tecnologia (o resgate no parque de diversões; o roubo do aparelho durante o jantar da nomeação do novo presidente da OSS; a casa na árvore e seus momentos de espionagem), já na parte final acompanhamos os irmãos lidando com os obstáculos apresentados na jornada sem nenhuma ajuda da tecnologia e apenas com sua criatividade — além de híbridos de animais gigantescos, mas chegaremos lá mais para frente. Somado a isso, ainda temos a dupla de irmãos Gary e Gerti que possuem uma relação muito semelhante a dos Cortez (Cortezes!) durante o primeiro filme e, por isso, funcionam como uma antítese, um espelho para que possamos constatar o quão diferente os protagonistas estão na sequência.

Um acerto de mestre do diretor foi ter escolhido Donnagon Giggles para ser o vilão. Por já ter introduzido o agente no filme anterior como: a) um agente da O.S.S. e b) um refém, não se faz necessário o apresentar novamente e nem precisar ou criar um carisma. Os poucos momentos onde ele surge em tela são para trabalhar em função da trama, seja dos protagonistas ou da outra dupla de espiões — Gary e Gerti também são seus filhos. Inclusive, essa trama paralela da Gerti aprendendo a se impor em relação ao pai e recebendo orientações de Carmem criando assim uma espécie de união entre as figuras femininas da história, é um dos pontos altos do filme.
A inversão de expectativa na aventura dessa vez está no fato de que, por mais que os irmãos ainda possuam o protagonismo, os pais conseguem mais espaço em tela ao integrarem uma equipe de resgate junto aos avós maternos das crianças. Aqui, venho deixar registrada a participação incrível de Ricardo Montalbán. Seu último papel no cinema havia sido em ‘Corra que a Polícia Vem Aí’ (1988), ou seja, 14 anos antes. Robert Rodriguez entrou em contato com o trabalho do ator durante um dos dias temáticos do Quentin Tarantino Film Festival e logo o escalou para o filme. Ele gostou tanto do resultado que prometeu uma participação maior para ele no filme seguinte da franquia e cumpriu sua promessa. Montalbán faleceu em 2009.
Por fim, o último ponto que eu gostaria de destacar relacionado à história é o tema que perpassa pelos três filmes da franquia: criador versus criatura. No primeiro filme temos Fegan Floop e suas mutações com os espiões da OSS. No terceiro temos ToyMaker e seu videogame de realidade virtual. Nesse segundo acompanhamos o medo do cientista Romero e seus animais híbridos. Penso que somente nessa obra que o tema é abertamente retratado através da frase que usei como epígrafe. Tão certo quanto os sacrifícios exigidos para se manter a família unida é o limiar entre o bem e o mal definido pela forma como você utiliza suas criações. Todos os vilões criadores encontram sua redenção ao fim de suas histórias de uma forma ou de outra — ao menos no universo de ‘Pequenos Espiões’.

Agora, vamos conversar sobre a parte estética dessa maravilha.
Seguindo a linha do filme anterior, Rodriguez segue transformando referências de cinema de gênero para o público infantil. De acordo com ele na faixa de comentários do filme, a ideia para a história surgiu enquanto ele via o making of de A Ilha Misteriosa (1961). Isso fica bem claro ao analisarmos a história de uma ilha dominada por animais gigantescos e seus efeitos especiais, mesma atmosfera que Rodriguez conseguiu emular para um universo mais descompromissado e infantil. A Ilha do Dr. Moreau (1977) e suas experiências entre híbridos de humanos com animais também foram trazidas para um imaginário mais próximo ao seu público mirim, onde temos híbridos entre os próprios animais.


As duas maiores referências conceituais do diretor: A Ilha do Dr. Moreau (1977) e A Ilha Misteriosa (1961).
Ao analisarmos a arte conceitual dos macacos do barril, podemos analisar a visão inicial do diretor e comparar com o resultado final. Sobre essa sequência específica, ele diz que sua maior preocupação foi relacionada a incidência da luz nos objetos e o quanto isso influenciaria nos efeitos digitais dos animais híbridos.


Em suas referências mais explícitas, temos a alusão ao ídolo dourado de Os Caçadores da Arca Perdida (1981) quando Carmem entra em uma sala cheia de tesouros. Nessa mesma sala, Juni faz uma referência direta a O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001) ao proferir: “One necklace to rule them all!”.


O ídolo dourado que perpassa os dois universos.
Uma referência curiosa feita pelo diretor ocorre no momento onde Antonio Banderas penteia o cabelo de seu filho. Uma sequência quase idêntica ao segmento Os Pestinhas dirigido por ele mesmo para o filme Grande Hotel (1995). Você, inclusive, pode ver o storyboard para a sequência feito por Rodriguez com exclusividade na nossa página do facebook.






Grande Hotel (1995) e Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos (2002): terminam um pouco diferente.
Na outra postagem, eu achei loucura supor que todos os filmes infantis de Rodriguez se passavam no mesmo universo, certo? Essa teoria é fichinha perto da que eu encontrei. Apresento para vocês o Tarantino/Rodriguez Universe! Uma teoria que afirma que TODOS os filmes do Tarantino e do Robert Rodriguez se passam no mesmo universo! Não colocarei a teoria completa por aqui, pois ela merecerá uma postagem especial no futuro. Contudo, demonstrarei nessa publicação alguns dos elementos presentes nesse filme que corroboram com essa teoria.


Pulp Fiction (1994) e Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos (2002): a famosa luz dourada.


Kill Bill: Volume 1 (2003) e Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos (2002): mesma lancheira.
Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos não se deixa cair nas armadilhas das sequências e consegue ampliar o mundo fantástico apresentado em sua aventura original — não apenas a repetindo com um orçamento maior, erro cometido na maioria das vezes. Podemos constatar um gradativo amadurecimento de seus protagonistas em suas decisões para cada problema relacionado a vida dupla de espiões que levam e que se provam cada vez mais complexos. O destaque disso tudo se percebe em Juni que desiste de seu trabalho ao descobrir as consequências das tramas e mentiras inerentes a todo agente da OSS e o que isso significava para sua vida familiar. Decisão que irá impactar diretamente no desfecho dessa trilogia.
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