Pequenos Espiões (Spy Kids, 2001)
- Pedro Alves
- 25 de jan. de 2020
- 6 min de leitura

‘Pequenos Espiões’ foi um filme que marcou minha vida em vários sentidos. Tenho a lembrança nítida da minha mãe fazendo um cadastro na locadora que havia aberto no meu bairro e, entre os dois primeiros DVDs escolhidos por nós, levarmos para casa o filme do Robert Rodriguez. Durante muito tempo após ter assistido a ele, eu fiquei viciado em espiões. Nessa época, o ‘pequeno eu’ ficou preso em um limbo cinéfilo, já que considerava os filmes da franquia 007 muitos chatos — Pedro do presente ainda considera alguns deles insuportáveis — e não possuía muitas outras opções a qual recorrer.
Como um milagre, vários filmes com “espiões” adolescentes saíram na mesma época. ‘O Agente Teen’ (2003), ‘Ninguém Segura Essas Crianças’ (2004) e ‘Alex Rider Contra o Tempo’ (2006) são apenas alguns dos exemplos. Hoje em dia, eu consigo enxergar a importância que esse filme teve tanto em minha trajetória como realizador quanto na abertura de precedentes na indústria cinematográfica — possibilitando a realização de uma obra como ‘Escola de Espiões’ (2015) mais de dez anos após seu lançamento oficial.
Pretendo fazer nessa publicação, o documento definitivo relacionado a ‘Pequenos Espiões’ em português — assim como suas continuações e as outras obras infantis do diretor, mas não vou adiantar as coisas.
Antes de começar a escrever sobre o filme dos espiões mirins, eu preciso introduzir a ascensão da carreira de seu diretor texano.

Robert Rodriguez conquistou a atenção de todos logo em sua primeira produção: ‘El Mariachi’ (1992) falado inteiramente em espanhol. Ele realizou o longa-metragem com um orçamento de US$ 7.000 arrecadados por meio de um amigo e de pagamentos que o próprio diretor ganhava por sua participação em estudos médicos.
Considerado como um western contemporâneo, o filme segue a trajetória de um tocador de violão que é perseguido por uma gangue local ao ser confundido com um assassino que acabara de escapar da prisão. Rodriguez ganhou o ‘Prêmio do Público’ no Festival de Sundance em 1993 com o filme. Destinado ao mercado de filmes espanhóis de baixo orçamento, ‘El Mariachi’ foi “arrumado” pela Columbia Pictures através de trabalhos de pós-produção que custaram centenas de milhares de dólares antes de ser distribuído nos EUA. Sua divulgação, contudo, ainda o anunciou como “o filme feito por US$ 7.000”.
Após ser apadrinhado pelo cineasta Quentin Tarantino, Rodriguez dirigiu a continuação de seu filme: ‘A Balada do Pistoleiro’ (1995) — contando com Antonio Banderas como protagonista e falado majoritariamente em inglês; um dos segmentos de ‘Grande Hotel’ (1995); e o road movie de terror ‘Um Drink no Inferno’ (1996).
Todas suas obras até esse momento eram conhecidas por sua alta dose de violência gráfica, assim como roteiros descompromissados e seu flerte com o cinema de baixo orçamento. Além, é claro, do diretor se portar como uma equipe técnica de um homem só; tomando pra si a maior quantidade de funções possíveis em suas produções.

Para entendermos a forma como o diretor transitou de um terror adolescente sobre invasão alienígena (‘Prova Final’ de 1998) para uma comédia de espionagem para toda a família, precisamos lembrar-nos da primeiríssima obra de Rodriguez: o curta-metragem ‘Bedhead’ de 1991. Diferentemente de suas obras subsequentes, o filme é uma comédia familiar fantasiosa sobre uma menina que, após um acidente, ganha poderes mentais e decide se vingar das implicâncias do irmão.
Nele, podemos enxergar muitos dos elementos que seriam utilizados em todas as suas obras infantis: a fantasia em contato direto com o mundo real das crianças e a nada pacífica convivência entre irmãos, por exemplo.
Pois bem.

De acordo com o diretor, a ideia inicial para ‘Pequenos Espiões’ surgiu ainda durante a sua direção do segmento ‘The Misbehavers’ para o longa-metragem ‘Grande Hotel’ (1995). De acordou com o realizador, ele olhou para os dois atores mirins vestidos de roupa social e pensou: ‘eles parecem espiões’. Nessa mesma produção, ele já informou a ideia para Antonio Banderas. O filme ficou bastante tempo em desenvolvimento em decorrência do desejo do diretor de realizar os próprios efeitos visuais — e a necessidade dele aprender a realiza-los.

Os responsáveis pela ideia inicial da franquia.
Desde o princípio, a ideia era de que o filme aparentasse ser inteiramente realizado por uma criança. Para isso, Rodriguez trouxe muito de sua vivência em uma família com inúmeros irmãos. Além disso, o diretor agregou a narrativa reminiscências de sua infância. Os Dedões, uma das criaturas mais memoráveis do filme, foram baseados em um desenho que o diretor havia feito ainda quando era criança.
A história segue os irmãos Carmen (Alexa Vega) e Juni (Daryl Sabara) que, após descobrirem que os pais são superagentes internacionais, são obrigados a partir ao resgate depois que o casal é aprisionado por Fegan Floop, um apresentador de programa infantil. É um filme bastante interessante logo em sua premissa, onde vemos uma inversão da narrativa cotidiana. Ao contrário do que estamos acostumados, em ‘Pequenos Espiões’ vemos os filhos partirem em salvação de seus pais. A maneira fantasiosa e despretensiosa de como a narrativa é construída se torna um diferencial, já que mostra aos pequenos espectadores que eles podem ser os próprios protagonistas de suas aventuras e ajudar os seus responsáveis de maneira ativa.

Os irmãos protagonistas são os maiores adversários um do outro. Por conta de suas constantes brigas e das dificuldades de ambos em cooperar, Carmen e Juni são lentamente derrotados até que, ao final, aprendem com os erros que cometeram e conseguem trabalhar como um time, uma família. A dificuldade de manter a família unida parece ser o mote principal do filme e não por acaso. Os pais de Carmen e Juni parecem passar por uma crise em seu casamento após 10 anos comprometidos — mesmo tempo que o diretor estava junto a sua esposa na época da produção do filme. Rodriguez disse em entrevista que queria construir uma narrativa que de alguma forma demonstrasse a dificuldade da manutenção familiar. Isso fica claro em personagens como Machete (Danny Trejo) que possui um claro paralelo com Carmen e seu desejo de não querer mais cuidar de seu irmão mais novo, quase como um duplo.
Ao comentarmos sobre o personagem Machete, uma curiosa possibilidade surge: seria possível pensar nos filmes infantis de Robert Rodriguez como um universo cinematográfico compartilhado? Parece maluquice, eu sei. Bem. Primeiramente, vamos ao fato principal: o tio Machete está presente em todos os filmes da franquia ‘Pequenos Espiões’, assim como em seus filmes-solo onde é um ex-agente federal mexicano que deixa um rastro de sangue por onde passa.
Por que seria tão difícil assim as obras infantis do diretor estarem interconectadas se Machete transita facilmente entre os universos da O.S.S. e de cartéis mexicanos?

Um navio afundado e cercado por tubarões?! Eu acho que já vi isso em algum outro lugar.
As variadas referências usadas por Robert Rodriguez durante o desenvolvimento do filme se tornam bem claras conforme acompanhamos o desenvolvimento da narrativa.
O mais interessante é perceber como o diretor consegue incorporar uma amalgama de referências que nada lembram a filmes infantis como, por exemplo, o terror da década de 1960 ‘A Aldeia dos Amaldiçoados’ na criação de sua comédia de espionagem. Referências que vão desde o clássico ‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’ (1971) até a música de abertura d’O Estranho Mundo de Jack (1993), This Is Halloween, usado como base para a Floop’s Song.


A Aldeia dos Amaldiçoados (1960) e suas crianças de olhos brilhantes.


A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971) e sua arquitetura colorida e Gaudiana.
Pequenos Espiões foi o último filme de Rodriguez filmado em película. A sua pós-produção foi feita no rancho Skywalker, onde George Lucas apresentou Rodriguez ao cinema digital de alta definição.
Por mais que o diretor insista em dizer que esse filme, assim como seus outros trabalhos direcionados ao público infantil, trata-se de um filme família; eu sou obrigado a discordar. Usando como base o livro ‘Lanterna mágica: infância e cinema infantil’ (2011) escrito por João Batista Melo, onde o autor apresenta e diferencia os conceitos de ‘filmes infantis’ e ‘filmes familiares’.
Por todos os elementos usados pelo autor para caracterizar cada um dos dois tipos de películas, eu acredito que ‘Pequenos Espiões’ se encaixe mais adequadamente na categoria de ‘filmes infantis’: seja por oferecer um ponto de vista inteiramente infantil durante a narrativa ou por tratar de interesses, medos, apreensões e temas da criança em seus próprios termos.
Uma versão mais longa do filme, intitulada ‘Spy Kids: Special Edition’ foi reeditada e lançada nos cinemas dos Estados Unidos em 8 de agosto de 2001. Ela continha uma nova cena envolvendo uma caverna cheia de tubarões adormecidos. A cena sempre teve a intenção de estar presente no filme, mas o orçamento original não permitiu os efeitos especiais necessários. Depois que o filme fez sucesso ao permanecer em primeiro lugar na bilheteria norte-americana por três semanas consecutivas, Rodriguez foi capaz de completar a cena. Ela não foi incluída no lançamento em DVD do filme que contou com a versão original exibida no cinema. No entanto, com a ajuda da internet, eu posso agora disponibilizá-la aqui.
Pequenos Espiões se provou um marco — mais por seu público do que pela crítica especializada, assim como foi a recepção da maioria dos outros trabalhos de Rodriguez. Encerro por aqui essa primeira parte dos dossiês do Robert Rodriguez e seus filmes infantis. Na próxima postagem dessa série, eu discorrerei sobre a continuação: ‘Pequenos Espiões 2: A Ilha dos Sonhos Perdidos’.
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