Yaaba: O Amor Silencioso (Yaaba, 1989)
- Pedro Alves
- 11 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de mar.

Eu conheci Idrissa Ouedraogo de uma maneira bastante peculiar: durante a minha maratona (ainda em andamento) do Charles Chaplin. No DVD que possuo, existe um minidocumentário extra sobre Em Busca do Ouro (1925) que é conduzido pelo realizador burquinense. Achei incrível muitos pensamentos que Ouedraogo apontou sobre a obra de Chaplin e, acima de tudo, a aproximação (inesperada) que elencou entre a cinematografia do Carlitos com a infância. Por isso não foi surpresa nenhuma descobrir que um de seus filmes mais reconhecidos trata de uma narrativa de amadurecimento. Contudo, Yaaba oferece bem mais do que isso.
O filme abre com uma imagem de dois jovens, um menino e uma menina, correndo por um descampado. O protagonista Bila (Noufou Ouédraogo) parece perseguir de brincadeira Nopoko (Roukietou Barry), sua prima. Temos um fade in para os créditos, onde, em seguida, voltamos a acompanhar os dois personagens. Dessa vez, eles estão prestando homenagens a falecida mãe de Nopoko. A menina diz: “Se [você] pudesse voltar…”. Comentário rapidamente rechaçado pelo menino que responde: “Que bobagem você está dizendo, [ela] não voltará”. Bila já demonstra seu olhar direcionado para o futuro. Nesse momento, o filme também nos apresenta outra personagem bastante importante: a senhora Sana (Fatimata Sanga). A narrativa vai se constituir basicamente entre as ações e relações dos três personagens.

Sana é tratada de forma hostil por quase todos os moradores do vilarejo onde mora. As crianças lhe tacam pedras ao vê-la passar, as mulheres a chama de Bruxa e os homens possuem certa desconfiança. Se observarmos o lugar onde a senhora mora, inclusive, perceberemos que é localizada geograficamente distante de todas as outras habitações; geralmente bem próximas umas das outras. Sana vive uma espécie de exílio silencioso. Enquanto isso, Bila vive com seu pai e mãe. Ele é conhecido por ser um encrenqueiro da vila e, guardado as devidas proporções, possui um tratamento semelhante ao oferecido a Sana. Talvez isso seja o que aproxime a relação dos dois a ponto do garoto roubar galinha e leite para ofertar a Sana. Mais importante ainda: enquanto os outros a chamam de Bruxa, Bila a chama de Yaaba (vovó).
O filme trata a infância e a velhice como dois estados diferentes de uma mesma energia. Isso faz com que seja bastante interessante acompanhar a relação entre Bila e Yaaba. A senhora possui uma natureza silenciosa e resiliente. Ela não transparece nenhum incômodo frente as ofensas desferidas contra sua pessoa — como se estivesse perdoando cada um deles de maneira quase imediata. Nem mesmo quando um dos garotos do vilarejo lhe arremessa uma pedra que abre um talho em sua testa, Yaaba não se desestabiliza. Ela se resume a olhar profundamente para o garoto e seguir o seu caminho.

Já Bila simboliza uma energia mais inquieta, indagadora e opositora — típica da juventude. Essa mudança que Bila carrega (de maneira consciente ou não) em cada uma das sua ações é o que causa sua fama de encrenqueiro. É ele, por exemplo, que reclama quando alguns garotos do vilarejo ferem sua prima com uma faca enferrujada; o que acarreta na expulsão deles de casa junto a mãe. É também o protagonista o primeiro a enxergar a traição que ocorre entre uma mulher do vilarejo e um charlatão — o que o faz desmascarar, em dado momento, a farsa do homem de se fingir de cego.
Mais do que a narrativa principal — o cotidiano do vilarejo e, perto do fim, a busca por uma cura do tétano contraído por Nopoko —, o filme é sobre o meio-termo entre essas duas energias. Ao começo da narrativa, tanto Bila, quanto Yaaba, estão desbalanceados: a senhora com sua aceitação silencioso de todo o mal que o vilarejo lhe causa; o menino por buscar somente mudanças e desconsiderar o passado. Uma sequência se destaca em relação a isso. Enquanto caminha ao lado de Yaaba, Bila percebe as mulheres da vila os observando e maldizendo. Ele afronta o grupo através de gestos obscenos, enquanto Yaaba parece nem às notar.
Ao fim, o amadurecimento de Bila ocorre através de um dos elementos mais duros das narrativas de amadurecimento: a morte. Contudo, as energias já haviam se balanceado. Yaaba, por exemplo, já saíra do vilarejo à procura de um curandeiro para Nopoko — novamente se colocando em movimento e saindo de sua estagnação inicial. Bila se prova muito mais aberto aos mais velhos e aos seus ensinamentos por conta de sua convivência com Yaaba.
Na sequência final, Bila presenteia Nopoko com uma pulseira como pedido de desculpas. A menina diz que, caso ele a alcance em uma corrida, ela devolveria a pulseira a ele. Eles começam uma perseguição que acarreta o mesmo plano que abre o filme — e que também o encerra. Yaaba finaliza com uma representação cíclica: essas energias (infância e velhice) estão em constante transformações.

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